Por Blog Acesso
A história da humanidade é marcada por uma série de relações dicotômicas que estabelecem princípios e limites para as atividades humanas. Em plena era da informação, uma das relações mais calcadas nessas diferenças parece ruir. Os muros que separavam ciência e arte, ou de maneira mais ampla ciência e cultura, se desfizeram, inaugurando novos olhares e fazeres. Os conceitos que até então andavam em vias paralelas, agora se imiscuem para consolidar o que chamamos de cultura digital, cibercultura ou a nova cultura contemporânea. O nome importa pouco diante das diversas questões embutidas nessa revolução, que vêm sendo foco dos principais colóquios de reflexão cultural no mundo todo. No VI Enecult, que aconteceu no fim de maio, o tema foi debatido pela primeira vez no evento, em uma mesa redonda que reuniu a historiadora social Giselle Beiguelman, o cientista social Sérgio Amadeu e o pesquisador do Centro de Ciências Humanas e Sociais do Ministério de Ciência e Inovação da Espanha, Antonio Lafuente.
Segundo definições gerais encontradas na própria rede, a cultura online teria como base conexões e interações das mais variadas esferas em um mesmo canal. Isso porque, o conceito de uma produção destinada a um meio se torna irrelevante quando esse meio, por si só, interage com tantas outras formas de apresentação. Segundo Giselle Beiguelman, no texto Olhos Mudos, publicado no livro Link-se, a web arte é mais do que uma cultura criada exclusivamente para a internet; “é a arte que depende da internet para se realizar” e, portanto, altera sua forma de recepção dependendo das variáveis de cada computador e viabilizador da rede. Dessa forma, não existiria apenas um produto, mas uma centena de combinações que tornariam toda obra personalizada. Como afirma a historiadora social, “criar nessas e para essas condições é jogar com uma estética do imponderável e do imprevisível. Obriga, por isso, pensar em estratégias de programação e publicação que tornem a obra legível, decodificável, sensível”.
Se, há nove anos, quando esse texto foi lançado, a concepção de uma cultura digital já havia avançado dessa maneira, hoje, a avaliação dessa web cultura parece possuir mais embasamento e também mais questionamentos e debates. Segundo Beiguelman, em sua apresentação no VI Enecult, “falar de cultura digital hoje é falar de cultura. Ou seja, a cultura digital invadiu de tal modo o nosso cotidiano e é tão transversal com as categorias tradicionais de gênero, classe e geopolítica que parece um pouco paradoxal insistir na especificidade da cultura digital quando o que nós temos de fato é uma cultura que já se digitalizou”.
Na base dessa estética emergente também estão as relações entre inovação e tradição, articulações muito particulares entre antigos e novos sistemas e repertórios tecnológicos e suas estratégias de resignificação do cotidiano. Segundo o cientista social Sérgio Amadeu, essa conectividade pode ser constantemente observada nos processos de inserção de outros veículos informacionais e de entretenimento no espaço online. “A televisão, a mídia mais intensamente acessada no Brasil, passou por esse processo de digitalização. Percebe-se, hoje, que o digital tem características muito importantes de avanço para a própria cultura, bem como para toda a sociedade”, exemplifica.
Como explica Amadeu, esse processo de digitalização se estende por todos os campos da cultura, abrigando a concepção de que ela nada mais é do que a formação de considerações e reconsiderações, traço que estaria presente em todas as sociedades, mas que, do ponto de vista ideológico, fora banido do discurso durante o século XIX e parte do XX, justamente durante a fase de industrialização cultural. “Havia o mito da originalidade, de que a cultura era produzida por gênios”, afirma o sociólogo. Quando, na verdade, ela é um conjunto de práticas sociais que se intercalam e se recombinam o tempo todo, assim como a cultura digital e sua particular característica de fusão.
Nessa concepção – de que a cultura digital é cultura propriamente dita em interdependência com a internet; de que ainda se compreende que essa mesma cultura se articula e se modifica por meio de seus agentes sociais – é que se torna clara a ideia da rede como espaço público, de bem comum, sendo o seu acesso direito de todos. “Hoje, o espectro das comunicações contemporâneas se tornou o nosso espaço público de exercício de cidadania, e de direito ao consumo”, comenta Beiguelman. Assim, quando se fala do direito ao acesso à internet, se fala de um direito de acesso à própria cultura em formação.
Luíza Costa e Priscila Fernandes / blog Acesso
A história da humanidade é marcada por uma série de relações dicotômicas que estabelecem princípios e limites para as atividades humanas. Em plena era da informação, uma das relações mais calcadas nessas diferenças parece ruir. Os muros que separavam ciência e arte, ou de maneira mais ampla ciência e cultura, se desfizeram, inaugurando novos olhares e fazeres. Os conceitos que até então andavam em vias paralelas, agora se imiscuem para consolidar o que chamamos de cultura digital, cibercultura ou a nova cultura contemporânea. O nome importa pouco diante das diversas questões embutidas nessa revolução, que vêm sendo foco dos principais colóquios de reflexão cultural no mundo todo. No VI Enecult, que aconteceu no fim de maio, o tema foi debatido pela primeira vez no evento, em uma mesa redonda que reuniu a historiadora social Giselle Beiguelman, o cientista social Sérgio Amadeu e o pesquisador do Centro de Ciências Humanas e Sociais do Ministério de Ciência e Inovação da Espanha, Antonio Lafuente.
Segundo definições gerais encontradas na própria rede, a cultura online teria como base conexões e interações das mais variadas esferas em um mesmo canal. Isso porque, o conceito de uma produção destinada a um meio se torna irrelevante quando esse meio, por si só, interage com tantas outras formas de apresentação. Segundo Giselle Beiguelman, no texto Olhos Mudos, publicado no livro Link-se, a web arte é mais do que uma cultura criada exclusivamente para a internet; “é a arte que depende da internet para se realizar” e, portanto, altera sua forma de recepção dependendo das variáveis de cada computador e viabilizador da rede. Dessa forma, não existiria apenas um produto, mas uma centena de combinações que tornariam toda obra personalizada. Como afirma a historiadora social, “criar nessas e para essas condições é jogar com uma estética do imponderável e do imprevisível. Obriga, por isso, pensar em estratégias de programação e publicação que tornem a obra legível, decodificável, sensível”.
Se, há nove anos, quando esse texto foi lançado, a concepção de uma cultura digital já havia avançado dessa maneira, hoje, a avaliação dessa web cultura parece possuir mais embasamento e também mais questionamentos e debates. Segundo Beiguelman, em sua apresentação no VI Enecult, “falar de cultura digital hoje é falar de cultura. Ou seja, a cultura digital invadiu de tal modo o nosso cotidiano e é tão transversal com as categorias tradicionais de gênero, classe e geopolítica que parece um pouco paradoxal insistir na especificidade da cultura digital quando o que nós temos de fato é uma cultura que já se digitalizou”.
Na base dessa estética emergente também estão as relações entre inovação e tradição, articulações muito particulares entre antigos e novos sistemas e repertórios tecnológicos e suas estratégias de resignificação do cotidiano. Segundo o cientista social Sérgio Amadeu, essa conectividade pode ser constantemente observada nos processos de inserção de outros veículos informacionais e de entretenimento no espaço online. “A televisão, a mídia mais intensamente acessada no Brasil, passou por esse processo de digitalização. Percebe-se, hoje, que o digital tem características muito importantes de avanço para a própria cultura, bem como para toda a sociedade”, exemplifica.
Como explica Amadeu, esse processo de digitalização se estende por todos os campos da cultura, abrigando a concepção de que ela nada mais é do que a formação de considerações e reconsiderações, traço que estaria presente em todas as sociedades, mas que, do ponto de vista ideológico, fora banido do discurso durante o século XIX e parte do XX, justamente durante a fase de industrialização cultural. “Havia o mito da originalidade, de que a cultura era produzida por gênios”, afirma o sociólogo. Quando, na verdade, ela é um conjunto de práticas sociais que se intercalam e se recombinam o tempo todo, assim como a cultura digital e sua particular característica de fusão.
Nessa concepção – de que a cultura digital é cultura propriamente dita em interdependência com a internet; de que ainda se compreende que essa mesma cultura se articula e se modifica por meio de seus agentes sociais – é que se torna clara a ideia da rede como espaço público, de bem comum, sendo o seu acesso direito de todos. “Hoje, o espectro das comunicações contemporâneas se tornou o nosso espaço público de exercício de cidadania, e de direito ao consumo”, comenta Beiguelman. Assim, quando se fala do direito ao acesso à internet, se fala de um direito de acesso à própria cultura em formação.
Luíza Costa e Priscila Fernandes / blog Acesso
Disponível em: http://www.blogacesso.com.br/?p=2765 (Acesso em 26/06/2010)
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