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9 de julho de 2010

AULAS DE ARTE SÃO ESSENCIAIS PARA PRODUZIR ADULTOS COMPLETOS

A pressão por resultados está levando as escolas a desprezar atividades artísticas e esportivas em nome de um aprendizado mais conservador. Tudo errado, alertam os especialistas: além de estimularem a criatividade, aulas de música e artes, entre outras, abrem caminho para olhar a vida sob um novo ângulo e são essenciais para produzir adultos completos

Paulo de Camargo
Revista Claudia – 06/2010

Se o currículo escolar dos dias de hoje pudesse ser comparado a uma seleção de futebol, seria fácil imaginar os titulares: matemática e português brilhariam como estrelas insubstituíveis e ciências, geografia, história e inglês seriam sempre escalados. No banco de reservas, ficariam disciplinas que um dia foram a bola da vez - como música, desenho, educação física e teatro -, mas hoje andam apagadas. Essa escalação não é novidade em países que adotaram testes de rendimento e rankings públicos, como é o caso do Brasil. A pressão por resultados e a ânsia de oferecer um ensino que facilite a aprovação dos alunos nas melhores universidades vêm produzindo um efeito perigoso, acreditam os especialistas. As artes e os esportes, antes considerados essenciais para o desenvolvimento de crianças e jovens, estão perdendo espaço no currículo escolar - comprometendo desde a capacidade de fazer escolhas e lidar com conflitos até a sensibilidade estética.

A questão toca no âmago mais profundo da educação, provocando uma discussão sobre que tipo de cidadão as escolas estão se propondo a formar. Nesse campo, há um oceano de contradições. Se nas referências oficiais e nos discursos dos educadores não paira nenhuma dúvida de que uma formação mais humanista é imprescindível, na prática a história é outra. "Pressionados pelos programas dos vestibulares e pela necessidade de melhorar o desempenho no Enem, os colégios vêm relegando as disciplinas expressivas’ a cursos complementares e aos primeiros anos do ensino", diz a socióloga Gisela Wajskop, que dirige o Instituto Singularidades, em São Paulo, um dos cursos de formação de professores mais bem avaliados pelo Ministério da Educação (MEC).

Qualquer pai ou mãe de jovens em idade escolar sabe que as horas dedicadas às atividades artísticas e corporais gradativamente diminuem desde os primeiros anos da educação infantil até praticamente desaparecer no ensino médio - tudo para a instituição garantir uma boa posição no ranking do Enem e poder se orgulhar de ter alunos aprovados nas universidades públicas. Segundo o psicoterapeuta e consultor de empresas José Ernesto Bologna, essa tendência leva a um engano cruel. "Ao pensar que estão formando alunos competitivos, os colégios não enxergam que a sociedade contemporânea pede claramente competências múltiplas e formas mais globais de compreender os problemas, além de ousadia criativa, senso estético e crítico", diz. "Os humanos nascem inteiros. Não podemos fatiar as crianças para depois tentar remendar os adultos", critica.

CAPOEIRA NO CÉREBRO


Na Grécia antiga, a música era tão importante como a leitura e a literatura, segundo a pesquisadora em neurociências Elvira Lima Brandão, consultora do Ministério da Educação. A estudiosa da matemática Kátia Stocco Smole acrescenta: "É possível encontrar sociedades não letradas ou que não tenham matemática sofisticada, mas não existem comunidades sem música e sem arte. Esse fato tem sido estudado para mostrar que tais áreas fazem parte da genética da espécie, isto é, somos constituídos por capacidades para falar, organizar logicamente o mundo e também para produzir arte e música". É unânime hoje o conceito de que o cérebro humano faz uma interligação de todas as áreas do conhecimento - sem que haja uma hierarquia entre elas. De acordo com Elvira Brandão, todos nascemos com uma mente interdisciplinar. "Estudos recentes mostram que o cérebro utiliza o que armazenou de uma área do conhecimento para solucionar questões relativas a outros campos", diz ela.

Uma prática como a capoeira, por exemplo, não deve ser encarada como um simples acessório da educação, alerta a pesquisadora. Em um artigo publicado no site do MEC, Elvira mostra que a atividade envolve, entre outras habilidades, coordenação motora, tomada de decisão, sensibilidade ao ritmo, disciplina e concentração. "A capoeira estimula a formação de redes neuronais que contribuem para o desenvolvimento do pensamento espacial, algo essencial para que se possa assimilar conceitos de física, geografia e matemática", explica. "Da mesma forma, quem aprende a ler música tem mais facilidade para a sintaxe, presente tanto na escrita como na matemática."

Para Kátia Smole, a capacidade de estabelecer padrões, fundamental para o raciocínio matemático, é potencializada pelo estudo das artes em geral, especialmente de música. "Suprimir essas disciplinas compromete uma parte considerável do desenvolvimento do estudante", afirma. Há outro aspecto da formação que está diretamente ligado ao aprendizado das manifestações artísticas: o estímulo à criatividade. Elvira lembra que a história da evolução científica sempre caminhou lado a lado com a capacidade de imaginar e criar metáforas para explicar fenômenos. "A ausência de experiências estéticas pode levar à mediocridade ou à limitação de estratégias de tomada de decisões que exijam um pensamento mais criativo", explica.

As escolas não pecam só nas expressões artísticas. A falta de incentivo à argumentação e ao acolhimento de diferentes pontos de vista é um dos fatores que têm levado a uma indisciplina cada vez maior em sala de aula, acredita Telma Vinha, professora da Faculdade de Educação da Universidade de Campinas (SP) e estudiosa de conflitos nos colégios. Para ela, a crescente dificuldade dos alunos em resolver diferenças ocorre em grande parte porque a escola não tem ensinado a arte da confrontação, que envolve capacidades cognitivas, interpessoais e afetivas. Todas elas poderiam ser mais exploradas em um programa mais arejado. "A maneira como está estruturado o currículo escolar leva a uma forma de subdesenvolvimento da sensibilidade, da complexidade e multiplicidade de linguagens e perspectivas. Uma pena, porque são instrumentos necessários para conhecer a si mesmo e aos demais e, assim, solucionar os conflitos", analisa.

SOLTANDO AS ASAS


Por tudo isso, é hora de repensar a educação que vem sendo oferecida às crianças e aos adolescentes - o que inclui eleger prioridades para a formação dos jovens. Para Gisela Wajskop, não é uma decisão fácil, pois a grade das escolas já está sobrecarregada. "O foco recaiu sobre o conteúdo das disciplinas e o treinamento em tipos específicos de redação. Não sobrou tempo para abordar outras áreas do conhecimento, como as artes, os esportes e a filosofia", afirma Sônia Barreira, diretora pedagógica da Escola da Vila, em São Paulo. Ela acredita que muitos pais ainda não têm uma posição definida sobre o assunto. "Há os que se guiam apenas por rankings e os que se preocupam com a formação geral", afirma. Algumas famílias acabam levando gato por lebre. Segundo Gisela, os pais podem facilmente confundir matérias capazes de estimular a criatividade com cursos extracurriculares, que, na verdade, servem somente para reforçar a proposta acadêmica da escola.

Um curso de design gráfico não é igual a um de artes plásticas, diz ela, por mais que pareçam semelhantes à primeira vista. Eles não têm o mesmo objetivo: afinal, o primeiro tem um caráter profissionalizante. "A busca de disciplinas artísticas não comporta uma visão utilitária, ligada ao futuro profissional do aluno", garante a socióloga. "Matérias como artes, esportes e teatro são importantes não por razões terapêuticas, muito menos para relaxar ou dar prazer ao aluno. Elas devem estar presentes porque contribuem para o desenvolvimento da criança e do adolescente", enfatiza Sônia. Para os educadores, o desafio atual é encontrar um ponto de equilíbrio. As escolas devem, sim, atender às demandas do mundo contemporâneo sem deixar de oferecer ferramentas para que os jovens soltem as suas asas e se tornem adultos de múltiplas capacidades, analisa Gisela. "Não se trata de substituir matérias, mas, sim, de encontrar maneiras de formar pessoas aptas a circular pelas mais diferentes áreas do conhecimento e que sejam abertas a muitas linguagens", conclui.

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