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8 de abril de 2011

Trocando ideias

Crônica - Erlon José Paschoal

05/04/2011
A Gazeta
Erlon José Paschoal
erlonpaschoal.blog.uol.com.br

A vida ordinária

Assistir à montagem de um texto de Nelson Rodrigues é sempre uma experiência significativa, sobretudo pelo seu olhar crítico e sarcástico sobre as relações e os dramas humanos. O Grupo de Teatro Empório lançou-se em uma dessas vivências ao adaptar para o palco situações dramáticas típicas do grande dramaturgo brasileiro.
Ao retirar do título de uma de suas obras mais conhecidas a bonitinha e optar pela "A Ordinária", o espetáculo apresentado no Teatro do Sesi, dirigido por Leandro Bacellar e pelo diretor convidado Vinícius Arneiro, inspira-se nos aspectos melodramáticos e tragicômicos de suas crônicas. As opções cênicas simples e eficazes e o elenco equilibrado e imbuído do universo rodriguiano dão ritmo, coerência e qualidade ao espetáculo.
Nelson Rodrigues nem sempre oferece uma tarefa fácil para os atores. Suas crônicas e seus textos teatrais possuem sempre um forte traço folhetinesco e indecentemente empenhados em desnudar processos ocultos, frequentemente inconscientes, do comportamento de seus personagens.
Segundo afirmou certa vez o próprio Nelson Rodrigues, seu objetivo era produzir um "teatro desagradável"; criar "peças desagradáveis", "obras pestilentas", capazes de "produzir o tifo e a malária na plateia". Sua crítica dirigia-se sobretudo contra o "bom gosto pequeno-burguês" e a "unanimidade burra"; sua meta era escandalizar moralmente a plateia acomodada e presa a regras de conduta hipócritas. Desse modo, ele acabou criando novos gêneros, difíceis de serem compreendidos num primeiro momento, tais como "tragédia carioca", "farsa irresponsável" ou "tragédia de costumes", misturando sem quaisquer cerimônias, o drama, a comédia, a farsa e a tragédia, mas muito eficazes para exibir as pústulas da sociedade.
O jogo de oscilações entre verdade e mentira, entre sinceridade e fingimento, entre retidão e infâmia, entre honestidade e trapaça, levado ao seu ponto mais extremo, cria uma atmosfera ambígua fazendo com que o espectador passe a ver a realidade como uma ficção enganadora.
Enfim, muitos dos temas de Nelson Rodrigues continuam fazendo parte do universo de referências político-sociais de todo brasileiro: a moral hipócrita, o descalabro na vida pública, a falta de solidariedade, a predisposição ampla e irrestrita à corrupção, os escândalos nossos de cada dia, sem falar no incesto e nas tragédias farsescas desencadeadas pelo instinto sexual reprimido.
Para muitos, Nelson Rodrigues não passou de um apologista do individualismo ou de um reacionário inveterado, sobretudo em função de seus posicionamentos políticos quase sempre contraditórios, mas a contundência de suas críticas pode ser medida pela reação de um vereador, ao final da apresentação de Perdoa-me por me traíres, no Teatro Municipal do Rio de janeiro, em 1956: ajeitando a carapuça, ele sacou, raivoso, um revólver e de seu camarote ameaçou todo o elenco, confundindo infantilmente neste gesto insano o teatro com a vida como ela é...
A produção capixaba "A Ordinária" merece ser vista. Estão todos convidados.

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